Azorean genica
Written in Portuguese by Nuno Costa Santos
Num quarto de hotel em Chambéry, França, debaixo de um céu hesitante entre o cinzento e o azul, faço uma aproximação à melancolia açoriana, sentimento que se a associa ao clima, aos humores escuros da meteorologia, ao embalo espiritual promovido pelas nuvens, pela chuva, pelas tonalidades de verde, pela ideia de universo confinado, a convidar à projecção contemplativa-especulativa de outros mundos. Por vezes, perguntam-me se a minha melancolia é filha das ilhas, e eu respondo, com insular certeza: não sei. Ou ainda não sei. Neste como noutros assuntos, mais facilmente encontro porto no mar picado da dúvida do que na amável baía da certeza. Questiono se o «Azorean torpor» – expressão inventada por dois irmãos ingleses, Joseph e Henry Bullar, que, no século XIX, passaram uma temporada de oito meses no arquipélago e aí desvendaram uma forma de estar e de sentir — não é mais uma classificação literária, daquelas que podem inspirar novíssimas experiências turísticas, do que algo que existe mesmo no coração dos açorianos e se revela com insistência em momentos de introspecção com vista para o mar.
É de ensaiar mais uma pesquisa, apanhando boleia no cardume de palavras. E comece-se por afirmar uma evidência: ninguém será imune ao capacete, que é como nós chamamos, num registo menos literário, à cobertura nebulosa que muitas vezes ternos, como deuses viilantes, sobre as nossas cabeças. No meio do mar, viver uma boa parte do ano debaixo de um céu fechado, mesmo que contrabalançado por abertas, respirar o peso da humidade, terá consequências senão na maneira de ser das pessoas, pelo menos no seu estado de espírito. Mas desembarcar na poesia fácil de dizer que os açorianos são seres ancorados numa moleza existencial é correr o pouco interessante risco de olhar para um lavrador parado, rodeado de vacas, num pasto, e imaginá-lo poeta, quando, na verdade, poderá estar apenas inquietado com a problemática da quota leiteira.
Há, para usar uma formulação, várias maneiras de se ser açoriano. E uma delas relaciona-se, sim, com essa vocação para um lânguido anímus ilhéu, esse sentimento de planar estando com os pés assentes no cascalho, entre araucárias e metrosíderos, visitado por Onésimo Teotónio Almeida num excelente ensaio, Geografia: Insularidade e Clima — a Suposta Influência Psíquica, no qual se referem autores que evocaram ou um «spleen mortal» insular (Roberto de Mesquita), ou um «céu pesado e nevoento» (Antero de Quental), ou uma «paisagem das almas/Toda névoa de tristeza» (Armando Côrtes-Rodrigues), ou um «ar pesado/que por sê-lo a nós se prende» (Santos Barros).
Para a tese sobre a melancolia açoriana ajuda a circunstância de no arquipélago haver, ao longo de diversas gerações, muitos escritores de vocação lírica, pelo menos em número suficiente para se poder pensar que há qualquer coisa no ar que empurra as penas para um tom que cruza atmosfera e meditação. Como diz Nemésio, num poema justamente intitulado, «Azorean Torpor», «um poeta é sem-pre absorto», e, nos Açores, têm havido ao longo das décadas muitos poetas, usando aqui a palavra já em sentido mais lato e incluindo artistas de várias áreas e estilos. O que não sei é se o «desconsolo» e o «não-partir», que Nemésio diz, nesse mesmo belo poema, pairarem nos pios de umas gaivotas sem céu, se ajustam à caracterização alargada do espirito de um povo. Desçamos ao chão de basalto: são demasiados os açorianos acelerados, de bem com a vida, para acreditar nesta generalização do entorpecimento açórico.
(Mas deixando, por um segundo, de dar umas braçadas no meio da espuma das classificações, ocorre-me que é um bom tema para delírios vários. Imagino um meteorologista açoriano acometido de tanta melancolia insular que se torna incapaz de reconhecer um céu azul, querendo sempre enchê-lo, lamentoso, com a ameaça de uma nuvem).
Até para se desviar de categorizações feitas pelos visitantes, dir-se-ia que o açoriano ganhou caparro em lidar com o horizonte cinza, os ventos cruzados e os tremores da terra — e, aqui, torna-se pertinente citar Carlos Faria, um poeta jorgense, também evocado Onésimo no seu texto: «Tremer sem medo é uma/linguagem da ilha». Tanto se pode apresentar amolecido e lento nos sentimentos e nas palavras como rápido e venenoso na língua — a criatividade verbal usada em cada uma das nove ilhas no pequeno insulto devia ser reconhecida por um Nobel do epíteto. O açoriano tem torpor e genica — palavra que ouvi várias vezes como um incentivo, quando fazia judo em Ponta Delgada — em igual medida. A «Azorean genica» vale tanto quanto o «Azorean torpor». E è ela que justifica tanto os actos de bravura contra as intempéries como as iras de tasca e de ravina. A capacidade de realizar, tramar e revolver a vida e o vivo orgulho quando se recebe alguém.
Published May 13, 2024
© Nuno Costa Santos
Grinta azzoriana
Written in Portuguese by Nuno Costa Santos
Translated into Italian by Mauro Ghidoni
In una stanza d’albergo di Chambéry, in Francia, sotto un cielo incerto tra il grigio e l’azzurro, mi sfiora la malinconia azzorriana, un sentimento che si associa al clima, agli umori cupi della meteorologia, al dondolio spirituale favorito dalle nuvole, dalla pioggia, dalle sfumature di verde, dall’idea di universo circoscritto, che invita alla proiezione contemplativa-speculativa verso altri mondi. A volte mi chiedono se la mia malinconia sia figlia delle isole, e io rispondo, con sicurezza insulare: non so. O non so ancora. In questa come in altre questioni, trovo con più facilità un approdo nel mare agitato del dubbio che nella baia amica della certezza. Mi chiedo se l’«Azorean torpor» – espressione inventata da due fratelli inglesi, Joseph e Henry Bullar, che, nell’Ottocento, trascorsero un periodo di otto mesi nell’arcipelago e vi scoprirono un modo di essere e di sentire – non sia solo una categoria letteraria, di quelle che possono ispirare inedite esperienze turistiche, ma qualcosa che esiste davvero nel cuore degli azzorriani e si rivela con insistenza nei momenti di introspezione di fronte al mare.
È il momento di fare qualche ricerca in più, seguendo le parole come un banco di pesci. E si comincia con un’ovvietà: nessuno è immune dal casco, è così che chiamiamo, con un registro meno letterario, la cappa nuvolosa che spesso abbiamo, come divinità vigili, sopra le nostre teste. In mezzo al mare, vivere buona parte dell’anno sotto un cielo chiuso, anche se controbilanciato da schiarite, respirare il peso dell’umidità, avrà conseguenze se non nel modo di essere delle persone, quanto meno nello stato d’animo. Ma approdare con facilità alla fantasia di dire che gli azzorriani sono esseri ancorati a una pigrizia esistenziale significa correre il rischio poco interessante di guardare un contadino immobile, in un pascolo, circondato da mucche, e immaginarlo poeta, mentre, in realtà, sarà solo preoccupato per il problema delle quote latte.
Ci sono, per usare una frase fatta, diversi modi di essere azzorriano. E uno di questi si riferisce, certo, a quella predisposizione a un languido animus isolano, quella sensazione di scivolare sulla ghiaia con i piedi ben saldi, tra araucarie e metrosíderos, esplorata da Onésimo Teotónio Almeida in un eccellente saggio, Geografia: Insularità e clima – la presunta influenza psichica, in cui si fa riferimento ad autori che hanno evocato o uno «spleen mortale» insulare (Roberto de Mesquita), o un «cielo pesante e nebbioso» (Antero de Quental), o un «paesaggio di anime / tutto nebbia di tristezza» (Armando Côrtes-Rodrigues), o un’ «aria pesante / che per esserlo si aggrappa a noi» (Santos Barros).
La tesi sulla malinconia azzorriana è corroborata dal fatto che, nel corso di diverse generazioni, l’arcipelago ha avuto molti scrittori con vocazione lirica, almeno in numero sufficiente da arrivare a pensare che ci sia qualcosa nell’aria che spinge le penne verso un tono che mescola atmosfera e meditazione. Come dice Nemésio in una poesia intitolata proprio Azorean Torpor, «un poeta è sempre assorto», e nelle Azzorre nel corso dei decenni ci sono stati molti poeti, considerando il termine in senso lato e includendo artisti di varie epoche e stili. Quello che non capisco è se lo «sconforto» e il «non partire», che Nemésio afferma, in quella bella poesia, aleggino nelle grida di alcuni gabbiani senza cielo, si estendano all’ampia caratterizzazione dello spirito di un popolo. Torniamo con i piedi per terra: ci sono troppi azzorriani dinamici, in pace con la vita, per credere a questa generalizzazione dell’indolenza azzorriana.
(Ma rinunciando, per un attimo, a sguazzare in mezzo alla spuma delle categorie, mi viene da pensare che sia un buon argomento per deliri vari. Immagino un meteorologo azzorriano affetto da così tanta malinconia insulare da non essere più in grado di riconoscere un cielo azzurro, volendo sempre riempirlo, lamentoso, con la minaccia di una nuvola).
Anche per evitare le categorizzazioni fatte dai visitatori, risulterebbe che l’azzorriano ha acquisito una certa abilità nell’affrontare il grigiore dell’orizzonte, i venti contrari e le scosse della terra – e qui diventa opportuno citare Carlos Faria, poeta di São Jorge, evocato anche da Onésimo nel suo testo: «Tremare senza paura è una / espressione dell’isola». Tanto morbida e lenta può manifestarsi nei sentimenti e nelle parole quanto rapida e velenosa nel modo di esprimersi – quella creatività verbale che in ognuna delle nove isole si usa per il piccolo insulto dovrebbe essere torpore e grinta – parola che ho sentito più volte come stimolo quando facevo judo a Ponta Delgada – in egual misura. La «grinta azzorriana» vale quanto l’Azorean torpor. Ed è lei che giustifica sia gli atti di coraggio contro le intemperie che le furie di gole e precipizi. La capacità di realizzare, intessere e dare svolta alla vita e il vivo orgoglio quando si riceve qualcuno.
Published May 13, 2024
© Mauro Ghidoni
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